— 11 de janeiro de 2024
"Sempre gostei de peças amplas, confortáveis, onde o corpo pode dançar, respirar e se esparramar dentro. Depois descobri que Sergio Rodrigues falava a mesma coisa para criar uma cadeira." LEIA MAIS

A casa da Conde de Irajá tem uma porta vermelha e grade de madeira com as iniciais SR e VB. Antes de seguir, já entendi que entraria em um lugar de trabalho e de amor. VB são as iniciais de sua esposa, Vera Beatriz. SR era um Sergio Rodrigues apaixonado, que marcou no gradio a imensidão que mais tarde eu mergulharia portas e gavetas adentro. Jamais nos meus mais doces sonhos imaginaria chegar tão perto e que traria para o meu trabalho a imensidão calorosa do Sergio. 

Lembro que aos 17 anos, cru, em meu primeiro emprego, convivi com uma cadeira dele. Sem qualquer respaldo de referências, entendi que naquele móvel havia uma linguagem que me identificava. Não entendia ainda o que era modernismo, tampouco que era nele que eu fincaria todas as pontes para os meus futuros gostos pessoais e profissionais.

A música que me formou era daquele tempo, o Rio de Janeiro que mais olhava também. Salvador, São Paulo, Brasília, Lina Bo Bardi, Niemeyer, Djanira, Vinicius de Moraes, Rubem Valentim, Jorge Amado, Pierre Verger, Burle Marx, todos, coincidentemente, daquele mesmo recorte do século XX. A Handred nasceu em 2012, mas carrega com ela a atmosfera dessa época. O tempo foi passando, fui amadurecendo e construindo meu trabalho em paralelo. 

Entendi que o trabalho não se restringe a um lugar só. Expande a diferentes territórios e à minha própria casa. Além dos livros, senti que precisava dialogar e respirar com as minhas referências, ainda que financeiramente longe de mim. Fiz que fiz, com o dinheiro do primeiro mês da minha primeira loja de Ipanema comprei minha primeira poltrona do Sergio. Fui entendendo que havia um mobiliário que conversava com o que eu fazia na roupa, que tinha simplicidade – na mais importante sofisticação. Era lindo arquitetar algo apenas com um ou dois materiais principais e, assim, entendi o que era acabamento.

Sempre gostei de peças amplas, confortáveis, onde o corpo pode dançar, respirar e se esparramar dentro. Depois descobri que Sergio Rodrigues falava a mesma coisa para criar uma cadeira. Adicionava ainda que se o cachorro ou o gato gostassem de se espalhar no móvel, este estava mesmo aprovado.

Nunca tive a oportunidade e nem a idade para conhecê-lo, mas acabei criando o hábito bobo de traçar um destino paralelo com ele em épocas diferentes. Ambos nascemos e moramos no Flamengo, estudamos no Colégio Santo Inácio em Botafogo, ambos amantes de papéis e rabiscos, nostálgicos e românticos, com um humor cordial. Encontramos nossas primeiras lojas em Ipanema com uma pilastra na vitrine, motivo que as mantiveram sempre como as únicas desocupadas da rua e longe da preferência de outros lojistas. Bobeira minha, mas era minha maneira de brincar com ele. Foi através dessas primeiras lojas que um mundo de amigos e que novas portas se abriram também.

A vida foi fazendo seu trajeto, por vezes mágico, e acabei encontrando os caminhos de Fernando e Renata. Fernando Mendes, primo, também arquiteto, designer, marceneiro e presidente do Instituto Sergio Rodrigues. Renata, sua mulher, Diretora Executiva do Instituto e também do Atelier que mantém em produção as peças artesanais do Sergio. A minha sorte era que Renata já era cliente e familiarizada com a Handred sem eu antes a conhecer. E eu, cara de pau o suficiente, propus uma reunião para apresentar um projeto e o devaneio de uma coleção que eu adoraria realizar… Outro ponto a meu favor era que Fernando é prioritariamente sensível.

Quase dois anos depois, estamos aqui. Um ano só para arquitetar, rabiscar, planilhar e apresentar um esboço do que gostaria de levar para eles. Outro ano inteiro para contratualizar, pesquisar, desenhar e desenvolver essa coleção tão especial pra mim. Impossível não celebrar a grande sorte que foi a união desses dois ateliers, tão artesanais, foi tecendo uma amizade linda, da qual me orgulho tanto quanto este projeto.

No fim, estou bem perto do meu ídolo e ele vive através desses dois, desse legado lindo e deste Instituto com acervo tão vivo, capaz de materializar tantas idéias, roupas, inspirações e sonhos.

Por André Namitala, diretor criativo da Handred.