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O Carnaval como resistência, trabalho e libertação, como a possibilidade de vestir o oposto do que se é, incorporar uma nova identidade ou tornar real aquele sonho impossível. O carnaval também como religioso, a lembrança de que viemos do pó e ao pó voltaremos, a marca do calendário gregoriano que define a quaresma. A mistura do sagrado e do profano une diferentes intenções em um caldeirão apimentado e a beleza da festa se dá nessa entrega destemida de intensidade. A arte também é um enorme banquete de diferentes visões e intenções e tem a capacidade de ressignificar o passado pelo olhar do presente. Selecionamos 3 trabalhos artísticos que relacionam historicamente o carnaval com o agora, de forma livre mas intencional.
Faz que Vai - Bárbara Wagner e Benjamin de Burca (2015)
Luta, resistência, alegria e camuflagem. O frevo surgiu no Recife (Pernambuco) no final do século XIX como uma dança fervente. A banda militar passava pelas ruas e os escravos recém libertos dançavam de forma frenética como uma provocação, um espelho da efervescência política do momento. A dança tem muito em comum com os passos da capoeira, que é uma luta camuflada de dança, proibida aos escravos. O movimento surge então como uma forma de resistência ao poder vigente e proteção aos que sobrevivem pelas ruas.
O trabalho de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca é um curta dividido em quatro atos onde bailarinos misturam movimentos do frevo com ritmos contemporâneos como o funk, electro, swingueira e vogue, apenas marcados por um metrônomo (a trilha sonora foi introduzida depois). Se o frevo nasceu da resistência e da opressão a determinado grupo popular, hoje está estabelecido como patrimônio mundial. Qual o espaço então que se dá para as novas culturas populares e quem as pratica? O que os passistas profissionais escutam e dançam profissionalmente para além do frevo no resto do ano? Bárbara e Benjamin revelam esse lugar de fala e corpo colidindo o passado da história do frevo com as semelhanças com outros movimentos culturais da atualidade, além de falar de questões de raça, classe e gênero. Está tudo ali. A parte 2 do trabalho nos chama atenção, apresenta o dançarino Edson Vogue. O estilo Vogue nasce na década de 60 no Harlem nova iorquino, em bailes da cena gay negra americana. A dança possui momentos de pausa que duram um flash, em que o performer transforma seu corpo em imagem, semelhante às fotos das revistas de moda. “O universo do frevo, aparentemente tão distante da dança americana, encontra então nesta dialética estático/movimento e em sua origem de marginalidade e negritude, pontos de convergência. Ambas as danças performam, ao seu modo, um conflito, ou uma maneira de assumir corpos não-hegemônicos, transformando movimentos de uma ação originalmente com uma finalidade (um golpe de luta, um desfile de moda) em um gesto, uma dança, um meio em si.” [trabalho de Nina Velasco e Cruz]
Maureen Bisilliat e Alcione
Em 1967, a inglesa radicada no Brasil, Maureen Bisilliat fotografou mangueirenses em seus trajes verde e rosa a convite da revista Quatro Rodas Edição Especial Turismo (Rio de Janeiro). Ambientadas no próprio morro da Mangueira, as fotos revelam figurinos deslumbrantes da corte imperial em contraste com o ambiente pobre da favela. Maureen conseguiu que o verde e o rosa da escola de samba saltassem na revelação das fotos, passando uma impressão de neon e tungstênio, acesas por si só.
Em 2024, a Mangueira homenageia Alcione, a rainha do samba. A relação de Alcione com a escola começou no meio dos anos 70 ao ver fotos das baianas na revista Cruzeiro. Em 1987, ela fundou a versão mirim da escola, a Mangueira do Amanhã, para que as crianças pudessem participar da folia e ofereceu sua própria casa como barracão da nova escola. O samba e a arte como potências acolhedoras e incentivadoras da educação. Filha de 9 irmãos, Alcione começou sua relação com a música ainda aos 9 anos, incentivada por seu pai. Agora é chamada de a Negra Voz do Amanhã, essa homenagem reforça e ressignifica sua vida e os frutos que ela plantou. Alcione não teve filhos, mas é a mãe de toda uma escola.
Quarta-feira de Cinzas, Cao Guimarães e Rivane Neuenschwander
Último dia de carnaval, a melancolia da quarta-feira de cinzas que representa o renascimento e a morte. O fim da festa acordando para o retorno ao trabalho. No vídeo arte de Cao Guimarães e Rivane Neuenschwander, as formigas, conhecidas trabalhadoras incessantes, fazem sua festa. É um desfile alegórico? Uma comemoração da volta ao trabalho? A limpeza das ruas pós festa? A floresta é viva e comemora. O trabalho se encontra no Tate Modern, em Londres, e não há um adulto ou criança que não pare em frente e fique atraído pelas formigas foliãs. A trilha sonora, composta por O Grivo, mistura ruídos ambientes e o samba de palitos de fósforo caindo ao chão.
Rivane Neuenschwander & Cao Guimarães | Quarta-feira de cinzas / Epilogue, 2006 from Fortes D'Aloia & Gabriel on Vimeo.
Texto por Luísa Pollo
Créditos imagens:
[1 e 2] Bárbara Wagner e Benjamin de Burca - Galeria Fortes D'Aloia & Gabriel - frames do vídeo. Dançarinos Ryan Neves, Edson Vogue, Bhrunno Henryque e Eduarda Lemos.
[3] Vídeo produzido para Festival de Arte Contemporânea Sesc - Vídeo Brasil
[Capa, 4, 5, 6] Maureen Bisilliat - Acervo Instituto Moreira Salles
[7] Leo Aversa para Revista Ela
[8] Frame de Quarta-feira de Cinzas, de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães - Galeria Fortes D'Aloia & Gabriel
[9] Quarta-feira de Cinzas, de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães - Galeria Fortes D'Aloia & Gabriel