— 26 de janeiro de 2023

Projeto valoriza a cultura de comunidades caiçaras isoladas, que vivem sem energia elétrica, e resgata técnicas ancestrais de conservação de pescados. Esse conteúdo inaugura nossa parceria com a revista The Summer Hunter. LEIA MAIS

Texto: Julia Flores
Fotos: Victor Collor

Apaixonado por pesca desde criança e frequentador da praia do Bonete, em Ilhabela, o publicitário paulistano Rodolfo Vilar se impressionava com o conhecimento sobre a natureza demonstrado pelas famílias que viviam ali, com o mar e do mar. Mas ele não via essa cultura ser valorizada, e sim sofrer pressões que ameaçavam sua existência. Para dar voz e força para essa e outras comunidades caiçaras isoladas, ele criou o projeto A.MAR, que capacita pescadores e resgata técnicas ancestrais de conservação de pescados.

“Muitas pessoas da região praticam a pesca de subsistência. Sem energia elétrica nem gelo, quilos e mais quilos de peixes eram perdidos por falta de conhecimento técnico”, contou Rodolfo ao The Summer Hunter. Daí que veio a ideia de apelar para processos de defumação, conserva, salga, charcutaria e fermentação, usados pela humanidade para preservar alimentos desde antes da invenção da geladeira – e que existem até hoje porque produzem resultados gostosos. Há também um trabalho de aprimoramento feito ainda no barco, na forma de tratamento dos pescados (acomodados sob um cobertor com água do mar gelada, por exemplo), que ajuda a ampliar a validade do peixe fresco mesmo sem gelo.

Rodolfo lembra que a primeira família impactada foi a do seu Elias, caiçara da Praia do Bonete, em 2017. De lá para cá, o projeto já capacitou outras famílias em Ilhabela, pelo Brasil (em Tatajuba e Itapipoca, no Ceará, e em Paraty, no Rio de Janeiro) e fora do país (na Amazônia Peruana). E o fundador do A.MAR mergulhou em pesquisas sobre desenvolvimento de produtos, protocolos e resgate de técnicas para conservação de pescados sem energia elétrica. 

Além de aumentar a autonomia alimentar dos pescadores, a iniciativa busca elevar a renda deles. Se antes um peixe fresco era vendido a preço de banana com o risco de estragar, agora pode esperar um pouco mais e ter uma margem de lucro maior. Ou ainda passar pelos processos de conservação e ser vendido como uma iguaria gastronômica. Até porque vários cozinheiros têm feito parcerias com o projeto.

No Maní, de São Paulo, os chefs Helena Rizzo e Willem Vandeven incluíram no menu uma “bottarga caiçara”: ovas de tainha fora do padrão do mercado (por terem tamanhos irregulares) misturadas a purê de lichia e cachaça, ensacadas em tripa de porco, curadas e defumadas a frio. Também já saíram do Fish Lab (o laboratório de desenvolvimento e pesquisa do A.MAR) bacon de cavala, salame de sangue de atum com barriga de porco, pasta de fígado de peixes…

A ideia é fazer um aproveitamento máximo dos pescados. De preferência, de espécies variadas, valorizando a riqueza do mar e evitando a sobrepesca dos peixes mais populares. “Diversidade = Sustentabilidade”, diz um post do A.MAR no Instagram em uma foto que mostra corvina, sardinha, pilombeta, arenque, boca mole, carapitinga, perna de moça, linguado e coroque – quantos desses você conhece ou já comeu?

Ao fortalecer os pescadores locais e questionar o processo de pesca em larga escala, o A.MAR tem impacto global. “Muitos biomas e microrregiões são destruídos porque o povo dali está enfraquecido”, diz Rodolfo. “Quando você tem uma comunidade forte e reconhecida, ela mesma trata de preservar o local.”

O momento é de levar as ideias mais longe. No Fish Lab, inaugurado em 2022 e hoje sede do projeto, já são feitas degustações e testes das técnicas de conservação, além de programas de capacitação de comunidades tradicionais. E Rodolfo busca agora desenvolver ainda mais essa vertente educacional do A.MAR, criando uma Escola de Alimentos do Mar, com cursos e workshops ministrados ali e, futuramente, também online. O mar é vasto, e assunto não vai faltar.

Conheça a revista The Summer Hunter.