— 16 de agosto de 2023
"Sou fascinado por esse momento em que o Brasil olha para o Brasil, no modernismo. Nesse bairro, especificamente em Higienópolis, dá pra passar a vida desenhando." LEIA MAIS



Foi no Jardin Majorelle, em Marrakesh, que o ilustrador Filipe Jardim conheceu melhor nosso diretor criativo André Namitala. Duas almas interessadas por diferentes culturas e pelo modernismo, trocaram ideias e daí surgiu a parceria para a coleção da Handred de 2018, La Medina. Desde então, Filipe Jardim faz parte da nossa história e de muitas outras do universo da moda e viagem. Filipe é um ser do mundo, absorve diferentes texturas e sabores de cada ambiente que vive e traduz isso para belas e coloridas ilustrações. Em 2023, se mudou para Higienópolis, em São Paulo. Nós, que acabamos de chegar no bairro com nossa loja no Pátio Higienópolis, ficamos curiosos para ouvir as impressões do Filipe sobre esse lugar que apresenta ícones da arquitetura modernista brasileira.

 

Filipe, você cresceu no Rio de Janeiro, mas já morou em alguns lugares do mundo. Como essa mudança de paisagens influencia nas suas ilustrações? Você precisa estar no local para desenhar?

Eu vivi no Rio de Janeiro até os 8 anos e com 18 fui estudar belas artes em Lisboa. Como eu gosto muito de desenhar nos locais, no estilo sketchbook, é claro que cada lugar que você vai tem diferenças nas texturas, paisagens, cheiros. Tudo isso influencia. Então quando você tá em Lisboa, tudo é diferente de você estar no Rio de Janeiro. Os próprios bairros, é tudo tão rico que o desenho vai se adaptando a essas texturas, a essas cores. Não a toa vários artistas se mudaram para lugares diferentes para terem luzes diferentes.




Agora você está estabelecido numa das maiores metrópoles mundiais, São Paulo, no bairro de Higienópolis, mais precisamente no edifício Bretagne. Por que você saiu da calmaria do sudoeste da França e veio pro caos de SP? Você escolheu o edifício Bretagne? Como é viver aí?

Eu cresci no Rio, numa metrópole também, mas como cresci na zona sul, tive acesso à natureza espetacular e muito próxima. Morei em vários outros lugares, quase sempre em cidade grande. Sempre frequentei muito São Paulo, por conta de trabalho. Eu também gosto dessa influência que a metrópole tem nas pessoas. Essa energia, esse dinamismo. No lugar que eu e minha família morávamos na frança, Guéthary, perto de Biarritz, justamente faltava um pouco de diferentes texturas. Humanas, paisagísticas naturais. É um lugar incrível pra família. Um lugar de civilização onde tudo funciona, quase o oposto de SP. Mas eu tava sentindo muita falta de “Brasil”, sabe? Sou brasileiro, queria me identificar mais com essas coisas que falam de mim e para mim. A vinda pra São Paulo acabou sendo uma ideia familiar. Minha mulher é francesa, de Paris, e queria muito passar por SP. Sobre o edifício Bretagne, eu já tinha vindo várias vezes visitar amigos ou trabalhar. Esse prédio de 1958 do Artacho Jurado é um ícone dessa cidade. Primeiro condomínio da América do Sul, primeiro a ter garagem subterrânea, piscina... Sempre achei incrível esse e outros prédios do Artacho Jurado. E meu desejo era, já que a gente vinha de um lugar muito calmo, um prédio onde tivesse área verde, água e amigos. Tenho muitos amigos em Higienópolis e bairros próximos, então o desejo de vir para cá era poder aproveitar as coisas que São Paulo tem de bom. Arquitetura, cultura, amigos, dinamismo cultural e profissionalismo. E esse prédio é incrível. Tem bar, uma sala só pra crianças, sala de jogos, sauna, equipe bacana, apartamentos incríveis. Um autopia na cidade. Em uma cidade cada vez mais brutal. Então é muito interessante.



Como o prédio é vivenciado hoje em dia pelos habitantes e visitantes?

Apesar do prédio oferecer essa área comum tão interessante, dizem que apenas 20% dos moradores a usufruem. Isso é uma coisa comum em outros prédios. Tem moradores discretos, tem os que não saem... tem um lado bom nisso, se descesse todo mundo ao mesmo tempo, ficaria lotado. Mas é um prédio em que uma parte, os tais 20%, organiza encontros, festas, blocos de carnaval. O bar funciona com um dinamismo interessante. Tem canjas, drinks, é muito interessante. Eu talvez não esteja vivendo de forma intensa porque tenho duas filhas pequenas, então a parte boêmia acabo não frequentando tanto. E tem moradores artistas, pianistas. Tem uma sala de música com bateria, piano francês. É uma loucura. E ainda tem um terraço, que também é um ícone da cidade. A gente vivencia o máximo que a gente pode. Inclusive a festa de aniversário das meninas foi aqui.

Como surgiu seu interesse em desenhar esse e outros prédios famosos da cidade de São Paulo? O que você levou em consideração na hora de escolher qual edifício desenhar? Pode falar sobre sua influência a partir da arquitetura modernista?

Eu acho que o Brasil, como país colonizado, sempre foi extremamente influenciado pelas culturas dominantes. A europeia e americana. E foi no momento do modernismo que o Brasil começou a criar sua própria maneira de olhar. Difícil falar sobre isso, teria que me aprofundar mais. Mas sou apaixonado por esse momento em que os artistas tentam olhar mais para o Brasil. A Tarsila, Oswald de Andrade... Todo esse movimento em que o Brasil olha para o Brasil. Óbvio que a arquitetura modernista brasileira é influenciada diretamente pelo modernismo da arquitetura mundial, liderado pelo Corbusier, Bauhaus e etc. Mas esses arquitetos, Oscar Niemeyer, Vilanova Artigas, Lúcio Costa, tiveram influência direta do modernismo europeu e americano e adaptaram ao Brasil com vegetação e paisagismo, daí Burle Marx... os cobogós... etc. Sou fascinado por esse momento, houve uma redescoberta dele nos últimos 20 anos. E São Paulo tem muitas e muitas pérolas desse momento. Fiz o edifício Louveira, um ícone do Vilanova Artigas; e também a casa no Butantã do Paulo Mendes da Rocha. A integração entre arquitetura e natureza me atrai muito. Nesse bairro, especificamente em Higienópolis, dá pra passar a vida desenhando.

Qual seu prédio preferido do bairro de Higienópolis? Tem alguma história interessante para contar a partir das suas andanças e observações?

Eu conheço mais as fachadas dos prédios daqui, nem todos seus interiores, mas talvez o Bretagne seja meu preferido. Ele não é considerado um ícone modernista pelos seus pares arquitetos, inclusive Artacho Jurado não era arquiteto, era incorporador; muito por ter essa influência gigante de Miami, uma arquitetura hollywoodiana, L.A., cinema. Então não é um ícone do modernismo mais clássico, um modernismo mais puro do Artigas, do Oscar e etc. Mas ele oferece essa filosofia de convívio, que acho que diferencia muito dos outros prédios. Então além de ter uma área verde, como já falei, ele é também democrático. Tem apartamentos menores de 80/90 metros quadrados, até outros muito maiores, de 200 metros quadrados. Então oferece um convívio de pessoas de diferentes poderes aquisitivos. Teve meu deslumbramento de carioca, onde tudo é mais bagunçado e desorganizado, e essa parte de São Paulo me fascinou por esse urbanismo planejado e essa quantidade enorme de prédios modernistas preservados. Além dos palácios...

Você já tem planos de um próximo destino?

No final do ano vamos nos mudar de volta ao Rio de Janeiro. Vamos fazer o contrário do movimento habitual: morar no Rio e vir a São Paulo para visitar amigos, exposições e para trabalhar.